quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O Brilho da Lágrima Parte 5 – Samuel Rocha

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5


Cíntia recebeu finalmente os resultados
da autópsia, mas a investigação continuava
muito calmamente. Sabia-se apenas que Nuno
tinha boiado por pouco tempo até ter sido
encontrado.
O tempo voava agora ainda mais
lentamente. Pousava como uma pluma e
levantava sem intento. As palavras
demoravam cada vez mais a assimilar. O
húmido olhar, esse fingia ser o que não era:
sofrimento!


Depois de várias noites sem conseguir
fechar os olhos, Susana percebeu que o
tempo nem sempre cura tudo. O tempo pode
agravar aquilo que o passado levou e só nós
nos podemos sentir culpados pelo que de
errado fizemos.
Um dia, ainda bem cedinho, Susana decidiu
ir dar um passeio pelo parque e apreciar o que
a Natureza tem de bom. O ar puro e a brisa da
manhã poderiam animá-la e fazê-la sentir mais
segura de si mesma. Ela não conhecia o
destino nem o que fazia a Terra girar à volta
do Sol. Aliás, ela nem sequer sabia se era o
Sol que «voava» em torno da Terra ou se a
Terra em torno do Sol. Era supérfluo. Respirar
o ar puro e ver as folhas a cair dos ramos. Isso
sim, era essencial. Porém, no Verão, as folhas
são verdes como a relva e não caiem com
facilidade. Mas ela pensava que sim... e foi à
procura dessa liberdade.
Era um parque enorme. Não havia atalhos
nem desvios. Era um caminho só, repleto de
árvores de ambos os lados. Ao fundo, já elas
se cruzavam e transformavam-se numa só.
Susana mantinha-se ali no meio, a olhar em
frente. Ninguém passava. Ninguém a via. Ela
não ouvia ninguém. Apenas a brisa que lhe
batia nos cabelos a libertava. Nada mais.
Apenas isso.
Depois de muito caminhar, sentou-se no
chão, numa berma que encontrou. De pernas
cruzadas, fingia praticar ioga. Não era ioga. Era
algo que a fazia pensar... Fechou os olhos.
Agora, a dita brisa tornava-se violenta. Era um
vento mais forte que a fez suspirar e abrir os
olhos. Arrepiou-se por instantes. Voltou a
fechá-los.
De repente, e sem se aperceber que
alguém a rodeava, começou a ouvir vozes.
Pensava ela que estava louca, mas não. Eram
bem reais. Tão reais que a desconcentraram,
apesar do olhar ainda fechado a sete chaves.
- Mãe, eu tenho fome. Eu sei que não
podes, mas eu já não como há muito tempo!
Era a voz de uma criança, uma criança em
sofrimento. A mãe apenas chorava e abraçava
o menino com desespero e comoção.
- Eu não te posso comprar nada, mas vou
ver se te arranjo alguma coisa.
Susana ouvia-os. Tudo o resto era
indiferente. O pedido de uma criança com
fome era desesperante também para ela.
Contudo, ali ficava.
- Porque é que somos os únicos que não
temos dinheiro? Todos se riem e nós só
choramos. Eu estou sempre com fome e eu
sei que tu e o mano também. – dizia o rapaz,
em tom de dor.
A mãe tentava conter as lágrimas, mas
não conseguia. Ver o filho a olhá-la com
tormento era ainda mais forte do que não ter
um único tostão para alimentá-lo. O
problema não era ela, mas sim o que o filho
sentia. Era tão pequeno e já tinha noção de
que a mãe o estava a desiludir! Era o que ela
sentia, desilusão por os dois estarem
abraçados, mas não por bons motivos.
Foi aí que decidiu levantar-se e procurar
quem lhe desse algo para o filho, nem que
fosse um simples pão, uma simples bolacha.
Ele no banco, desamparado; Susana no
chão, pálida com o sucedido.
Quando viu que a senhora se tinha
levantado, levantou-se também ela e sentou-se
ao lado do menino, sem olhar para ele. Não
queria deixar que as lágrimas, mais uma vez,
fossem mais fortes do que ela. Respirou
fundo e dirigiu o olhar para o miúdo... O tempo
parou! A brisa não mais soprava. Apenas o
olhar molhado da criança cintilava. Susana
estava intacta. Ela não queria acreditar que
era Miguel! O irmão de Salvador estava à
frente dela, de coração partido!

Continua…

 

Leia ou Releia

Parte 1 e Parte 2

Parte 3

Parte 4

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