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Acabara ali a réstia de vida de Nuno.
Ninguém queria acreditar naquilo que a
realidade demonstrava.
Já poucas vozes se ouviam para além das
dos que ainda se mantinham intactos, de
olhares postos na lápide.
Repentinamente, Susana pegou no seu
guarda-chuva castanho e desatou a correr,
sem rumo aparente. Mais uma vez, as lágrimas
não tardaram em aparecer. Ia sendo
constante deixar que as emoções a atacassem
de tal forma.
Decidiu então encostar-se numa árvore;
uma mão no rosto, outra no coração. O
guarda-chuva era agora levado pelo vento.
Porém, não voou para muito longe. Alguém
pegara nele antes de se aproximar de Susana,
ainda cabisbaixa. Era Salvador.
- Este guarda-chuva é teu, certo?
Susana não ousou responder. A comoção
era mais forte, naquele momento.
- Bom, de qualquer forma, deixo-to aqui
fechado para que não esvoace mais.
Pousou o guarda-chuva e virou costas.
- Espera. Desculpa estar neste estado,
ainda por cima toda molhada. Pareço doida,
não é?
- Não. Suponho que aqui estejas porque
alguém partiu.
- Sim... o meu pai.
- Lamento muito.
Depois de cinco segundos entediantes,
Salvador rapidamente percebeu que tinha de
ajudar aquela rapariga desamparada. Refugioua
no seu guarda-chuva e juntos, caminharam
entre os mortos.
Ela não o conhecia; ele não a conhecia a
ela. Era estranho para ambos falar com
alguém que nunca antes tinham visto. Porém,
Salvador deixou a timidez de lado e
apresentou-se.
- Chamo-me Salvador.
Susana não reagiu. Independentemente do
constrangimento, ele tentou uma segunda
vez. Do bolso, tirou duas fotografias... e
mostrou-lhe.
- Apresento-te também a minha mãe e o
meu irmão Miguel.
Desta vez, Susana fingiu um pequeno
sorriso e tentou desabafar.
- Não tenho vontade de falar com
ninguém. Sinto que parte da minha vida ficou
literalmente enterrada. É tão duro perder
alguém de quem gostamos!
- Eu sei o que isso é.
- O teu pai também faleceu?
- Não, mas perdi-o, de qualquer forma.
- Como assim?
Salvador pensou duas vezes antes de falar
demais, mas o que iria ele perder?! Nada.
- O meu pai era viciado em droga...
- Porque é que disseste «era»? –
interrompeu.
- Primeiro, porque já não é. Depois, porque
o que ele me fez não tem desculpa. Bateu na
minha mãe várias vezes. Ela não se podia
defender. Nem ela, nem o meu irmão, o
Miguel, que na altura, estava dentro dela. Ele
era muito inconstante. Neste momento, não o
considero como meu pai.
- O que lhe aconteceu?
- Nós fugimos.
- Fugiram?
- Sim. Era um terror.
Após quatro pequenos passos, Susana
voltou a ser o foco da conversa.
- Paremos de falar de mim. O que
aconteceu com o teu pai?
- Pouca coisa sei. Apenas me disseram que
foi alvejado na cabeça.
- Isso é muito forte de se ouvir, imagino.
- Mesmo muito.
A chuva parou de cair. As nuvens ainda lá
estavam, mas o sinal de mudança foi o mais
importante naquele instante.
- Ainda não me disseste como te chamas.
- Susana.
- E o teu pai?
- Chama-se Nuno.
Salvador parou.
- Que coincidência!
- Porquê?
- Nada de mais. Também conheço alguém
que se chama Nuno.
Decidiram despedir-se, sem antes trocarem
os números de telemóvel. Afinal, poderia ali
começar uma bela amizade.
No momento em que Salvador se virava,
Susana não hesitou:
- Salvador!? Tu ainda não me disseste o
que fazes aqui, num cemitério!
Perplexo com a dúvida, Salvador
embrulhou-se em palavras sem nexo.
- Tinha... Eu... Nada de mais. Vim visitar... um
familiar.
- Fizeste bem. Mais uma vez, obrigado por
me teres ouvido. Nós voltaremos a falar...
- Sem dúvida. Até qualquer dia!
Continua…
Autor: Samuel Rocha
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