quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O Brilho da Lágrima Parte 3 - Samuel Rocha

 

 

    image

 

                                3

Acabara ali a réstia de vida de Nuno.

Ninguém queria acreditar naquilo que a

realidade demonstrava.

Já poucas vozes se ouviam para além das

dos que ainda se mantinham intactos, de

olhares postos na lápide.

Repentinamente, Susana pegou no seu

guarda-chuva castanho e desatou a correr,

sem rumo aparente. Mais uma vez, as lágrimas

não tardaram em aparecer. Ia sendo

constante deixar que as emoções a atacassem

de tal forma.

Decidiu então encostar-se numa árvore;

uma mão no rosto, outra no coração. O

guarda-chuva era agora levado pelo vento.

Porém, não voou para muito longe. Alguém

pegara nele antes de se aproximar de Susana,

ainda cabisbaixa. Era Salvador.

- Este guarda-chuva é teu, certo?

Susana não ousou responder. A comoção

era mais forte, naquele momento.

- Bom, de qualquer forma, deixo-to aqui

fechado para que não esvoace mais.

Pousou o guarda-chuva e virou costas.

- Espera. Desculpa estar neste estado,

ainda por cima toda molhada. Pareço doida,

não é?

- Não. Suponho que aqui estejas porque

alguém partiu.

- Sim... o meu pai.

- Lamento muito.

Depois de cinco segundos entediantes,

Salvador rapidamente percebeu que tinha de

ajudar aquela rapariga desamparada. Refugioua

no seu guarda-chuva e juntos, caminharam

entre os mortos.

Ela não o conhecia; ele não a conhecia a

ela. Era estranho para ambos falar com

alguém que nunca antes tinham visto. Porém,

Salvador deixou a timidez de lado e

apresentou-se.

- Chamo-me Salvador.

Susana não reagiu. Independentemente do

constrangimento, ele tentou uma segunda

vez. Do bolso, tirou duas fotografias... e

mostrou-lhe.

- Apresento-te também a minha mãe e o

meu irmão Miguel.

Desta vez, Susana fingiu um pequeno

sorriso e tentou desabafar.

- Não tenho vontade de falar com

ninguém. Sinto que parte da minha vida ficou

literalmente enterrada. É tão duro perder

alguém de quem gostamos!

- Eu sei o que isso é.

- O teu pai também faleceu?

- Não, mas perdi-o, de qualquer forma.

- Como assim?

Salvador pensou duas vezes antes de falar

demais, mas o que iria ele perder?! Nada.

- O meu pai era viciado em droga...

- Porque é que disseste «era»? –

interrompeu.

- Primeiro, porque já não é. Depois, porque

o que ele me fez não tem desculpa. Bateu na

minha mãe várias vezes. Ela não se podia

defender. Nem ela, nem o meu irmão, o

Miguel, que na altura, estava dentro dela. Ele

era muito inconstante. Neste momento, não o

considero como meu pai.

- O que lhe aconteceu?

- Nós fugimos.

- Fugiram?

- Sim. Era um terror.

Após quatro pequenos passos, Susana

voltou a ser o foco da conversa.

- Paremos de falar de mim. O que

aconteceu com o teu pai?

- Pouca coisa sei. Apenas me disseram que

foi alvejado na cabeça.

- Isso é muito forte de se ouvir, imagino.

- Mesmo muito.

A chuva parou de cair. As nuvens ainda lá

estavam, mas o sinal de mudança foi o mais

importante naquele instante.

- Ainda não me disseste como te chamas.

- Susana.

- E o teu pai?

- Chama-se Nuno.

Salvador parou.

- Que coincidência!

- Porquê?

- Nada de mais. Também conheço alguém

que se chama Nuno.

Decidiram despedir-se, sem antes trocarem

os números de telemóvel. Afinal, poderia ali

começar uma bela amizade.

No momento em que Salvador se virava,

Susana não hesitou:

- Salvador!? Tu ainda não me disseste o

que fazes aqui, num cemitério!

Perplexo com a dúvida, Salvador

embrulhou-se em palavras sem nexo.

- Tinha... Eu... Nada de mais. Vim visitar... um

familiar.

- Fizeste bem. Mais uma vez, obrigado por

me teres ouvido. Nós voltaremos a falar...

- Sem dúvida. Até qualquer dia!

Continua…

Autor: Samuel Rocha

Leia ou Releia

Parte 1 e Parte 2

Sem comentários:

Enviar um comentário