quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Samurais e a Cultura Japonesa – Parte 2

 

Harakiri

     Harakiri é um dos mais intrigantes e fascinantes aspectos do código de honra do samurai: consiste na obrigação ou dever do samurai de suicidar-se em determinadas situações, ou quando julga ter perdido a sua honra. Significa literalmente "corte estomacal". Esse suicídio ritual também é chamado de seppuku, que é uma forma mais elegante de se dizer a mesma coisa.
     Várias circunstâncias podiam levar o samurai a praticar o harakiri. Entre elas:
- Como castigo e forma de recuperar a sua honra pessoal, uma vez que esta foi perdida em alguma atitude indigna do nome de sua família e de seus ancestrais;
- A fim de evitar ser prisioneiro em campos de batalha, pois era considerado imensa desonra entre os samurais se render ao adversário; assim, eles preferiam renunciar à vida do que entregar-se a mãos inimigas. Além disso, a rendição também não era uma boa escolha, pois os presos eram quase sempre torturados e maltratados;


- Em um ato de pura lealdade, o samurai chega a se matar para chamar a atenção de seu senhor (daimiô) a algo de errado que ele venha fazendo, advertendo-o. Alguns samurais também se suicidavam ao ver o declínio dos seus senhores, ou mesmo quando estes morriam, como forma de acompanhá-los eternamente e seguir o preceito de que um samurai não serve a mais de um daimiô em sua vida.
     O ritual do harakiri era praticado da seguinte forma:
     O suicida banhava-se, de forma a purificar o seu corpo e a sua alma e dirigia-se ao local de execução, onde se sentava à maneira oriental. Pegava então sua espada curta (wakizashi), ou um punhal afiado e enfiava a arma no lado esquerdo do abdômen, cortando a região central do corpo e terminava por puxar a lâmina para cima. Era importante o corte ser no abdômen, pois era considerado o centro do corpo, das emoções e do espírito para o povo japonês. Assim, o samurai estaria literalmente cortando a sua "alma".
     Importante também era para o samurai escrever um poema de morte, que era uma pequena composição poética onde o guerreiro deixava registradas as suas últimas impressões do mundo, algum desejo oculto ou simplesmente uma despedida formal.
     A morte por evisceração era lenta e dolorosa, e podia levar horas. Apesar disso, o samurai devia mostrar absoluto controle de si mesmo, não podendo dar sinais de dor ou medo.
     Ao lado do suicida ficava um amigo ou parente, o kaishakunin, que portava uma espada. Era uma espécie de assistente do ritual; se o samurai demonstrava não estar mais suportando a dor, o kaishakunin dava-lhe o golpe de misericórdia, decepando sua cabeça.
     Seria considerada imensa falta de respeito se a cabeça do samurai rolasse diante de seus parentes, que geralmente também assistiam à execução. Por causa disso o kaishakunin devia acertar o pescoço do samurai de modo a deixar a sua cabeça pendendo, para que esta não fosse degolada. Assim, o kaishakunin devia ser um exímio espadachim, pois não poderia falhar em sua atuação. Era uma função considerada honrosa.
     Tornou-se costume entre as famílias de samurais ensinar o filho homem, na véspera de ingressar na vida adulta, o modo exato de se praticar o seppuku.
     Nem sempre o ritual era seguido à risca com todos os seus detalhes. Em alguns casos extremos como em campos de batalha, onde não havia tempo para tais preparos, o samurai abandonava a vida apenas enfiando a espada em sua barriga.
     O primeiro harakiri registrado na história data de 1170, quando Minamoto Tametomo, figura quase lendária do clã Minamoto, suicida-se após perder uma batalha contra o também famoso clã dos Taira.
     O suicídio ritual tinha grande significado para o povo japonês. Vencendo o medo da morte, o samurai vencia também esse grande enigma da humanidade e destacava-se então das outras classes existentes na época. É esse mesmo espírito do samurai que levaram os pilotos suicidas (kamikases) a explodirem junto aos seus aviões durante a Segunda Guerra Mundial.
Infelizmente, ainda hoje o suicídio é visto por alguns japoneses como a melhor forma de se recuperar a honra perdida. Daí se explica o constante suicídio de empresários falidos, estudantes que não conseguiram bons resultados, etc...

 

Bushidô

Pintura de Ebine Shundo     O bushidô era o código de honra não-escrito que orientava a vida e os atos da classe dos bushi (samurais). Literalmente significa "o caminho do guerreiro". Sua essência era passada oralmente de pai para filho, através das gerações. Por causa disso, não é possível definirmos uma data precisa em que ele foi criado. Pode-se apenas dizer que ele evoluiu de maneira mais acentuada após a conquista do poder pela classe dos samurais, no final do século XII.
     O bushidô consistia um dos mais importantes aspectos da vida do samurai. Apesar de não ser escrito, ele tinha força de lei na conduta dos guerreiros. Os seus aspectos serão apresentados de forma resumida a seguir.
     O maior princípio do bushidô é a busca de uma morte com dignidade. Em caso de opção entre a vida e a morte, escolher a morte. Entretanto, a morte não podia ser inútil, sem causa ou razão. O verdadeiro samurai devia estar decidido e preparado para morrer sem hesitar, em qualquer situação e a qualquer momento. O samurai acreditava que, dessa forma, ele e o bushidô se fundiriam numa coisa só. Assim ele poderia cumprir sem risco de falhas a sua missão na vida.
     A preservação da honra era a preocupação máxima do samurai. Isso incluía a sua honra pessoal, a honra de seus ancestrais e a honra de seu senhor. Havia uma máxima entre os samurais: a vida de alguém é limitada, entretanto o seu nome e a sua honra podem durar para sempre. Por causa disso a reputação do samurai era fonte de preocupação constante. Morrer e ser lembrado como um exemplo para futuras gerações, eis a questão.
     Uma vez que o samurai tenha ferido a sua honra com um ato indigno, ou quando comete uma falha imperdoável, tem por obrigação praticar o seppuku (suicídio ritual), como forma de recuperá-la.
     O samurai deve sempre carregar consigo o seu par de espadas (Daishô). A espada era o símbolo mais forte do samurai. Devia ser para ele a sua "alma", um espelho de sua personalidade.
     O samurai não deve nunca abandonar a sua coragem, que é inseparável de sua condição. Antes morrer do que ser taxado de covarde. O samurai devia, em um campo de batalha, avançar e lutar sozinho contra um exército de inimigos se a situação assim o exigisse.
     Outro aspecto importante do bushidô é que o samurai sempre deve agir com justiça. Ele deve ter sempre compaixão e benevolência com o mais fraco e o vencido. Entretanto, o samurai tinha o direito de executar qualquer pessoa hierarquicamente inferior que não o tratasse com o devido respeito.
A mentira e a falsidade eram consideradas sinal de fraqueza de caráter pelos samurais. Assim, o samurai devia prezar pela sua palavra como forma de manter a honra.
     A cortesia, a polidez, a educação e as normas de etiqueta eram qualidades muito cultivadas pelos samurais virtuosos, e faziam parte do ideal de homem perfeito que eles buscavam. A alfabetização era fundamental, assim como os estudos gerais. Havia pouca distinção entre as artes marciais e as finas artes; as duas eram de igual importância.
Também era muito comum entre os samurais a noção de gratidão. Gratidão que se deve aos pais e as pessoas que de alguma forma o ajudaram. Essa gratidão é chamada Giri, palavra de vários significados, mas que no geral significa o dever que temos para os que nos deram algo. Daí se explica os grandes estipêndios dados aos samurais pelos daimyô, como forma de pagamento pelos seus serviços. Também eram normal entre os samurais tratarem com muita consideração os seus criados.
     Ao exercer uma função no feudo, o samurai deve entender plenamente a importância de seu cargo. E precisa dedicar cada dia de sua vida ao serviço de seu amo. A lealdade e o dever eram de suprema importância na relação do samurai com o seu superior, seja ele um daimyô (senhor feudal), o Imperador ou o próprio Xógum (ditador). A noção de lealdade chega a tal extremo que se torna comum um samurai praticar o seppuku a fim de acompanhar o seu senhor na morte. Essa prática se chama junshi, e parte do princípio de que um samurai não deve servir a dois senhores em sua vida.
     A obra mais importante em que constam registros sobre o bushidô é o Hagakure (ao pé da letra, "oculto nas folhas"). Data do começo do século XVIII. Foi escrito por Tashiro Tsuramoto, discípulo do famoso mestre Yamamoto Tsunetomo, apesar de suas ordens expressas de não escrever os seus ensinamentos. Nesta obra de 11 volumes foram escritos todos os fundamentos do bushidô, pela primeira vez. Entretanto, não se pode considerar o bushidô como um código de honra escrito por causa desta obra, pois quando o Hagakure foi escrito a classe dos samurais já o seguia há centenas de anos. Ainda hoje o Hagakure é a principal referência sobre o assunto.
     Segundo José Yamashiro, em seu livro "História dos Samurais", são três as principais fontes formadoras do bushidô: Budismo, Xintoísmo e Confucionismo. Entretanto, considerei importante diferenciar o Budismo do Zen-Budismo:
Budismo - Fornece a calma confiança no destino, submissão pacífica ao inevitável, desapego à vida e destemor da morte. É curioso notar que certos samurais sentiam-se culpados pelo fato de realizarem diversos atos altamente condenáveis pelo budismo, como matar pessoas. Criou-se então entre os samurais a crença de que eles teriam como forma de pagamento pelos seus atos a eterna condição de guerreiros em suas sucessivas reencarnações.
Xintoísmo - Certos princípios morais do Xintoísmo tiveram imensa influência sobre os samurais e sobre o povo japonês em geral. Entre

elas: lealdade total ao soberano, reverência à memória dos ancestrais, piedade filial e patriotismo.
Confucionismo - Principal fonte de ensinamentos éticos. As cinco relações enunciadas por Confúcio (entre senhor e servo, pai e filho, marido e mulher, irmão mais velho e mais novo e entre amigos) eram seguidas em sua essência.
Zen -Através da meditação Zen, o samurai tinha por objetivo ficar em completa harmonia com o Absoluto, encontrar o seu verdadeiro "eu"; aprendiam a lidar melhor com as suas emoções e aceitar a vida e as suas reviravoltas com mais naturalidade. Os samurais não procuravam apenas ser ótimos guerreiros, mas também tinham por objetivo serem exemplos de homens perfeitos. É nessa procura que eles encontram o Zen, como forma de alcançar a iluminação. Muitos samurais ao atingirem a velhice retiravam-se do mundo apenas para dedicar-se ao Zen como forma de completar o sentido de suas vidas.
     Ainda hoje o bushidô exerce forte influência sobre o povo japonês; os seus valores e padrões comportamentais são em sua essência um retrato do Japão atual. Muitas atitudes dos japoneses que são incompreensíveis aos nossos olhos encontram significado no velho e tradicional bushidô. Alguns estudiosos citam, por exemplo, a dedicação e lealdade com que os trabalhadores e operários japoneses exercem as suas funções como ideais samuraicos.
Este texto foi em grande parte baseado na obra de José Yamashiro

Recorde: Samurais e a Cultura Japonesa - Parte 1

VISITE: O Samurai

TEXTO EM PORTUGUÊS DO BRASIL

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